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A visita

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Siá Rita acordou cedo. Varreu e ajeitou sua casinha da melhor maneira possível devido a idade avançada. Colheu flores no jardim e as colocou no vidro de café solúvel que servia de vaso. Depositou o arranjo num alvíssimo guardanapo de crochê, ornamento da mesa tosca, em volta da qual estavam dispostas três cadeiras. Vaidosa, mantinha as madeixas cuidadosamente penteadas. Apanhou a mais bela flor do ramalhete e a prendeu nos cabelos. Viver afastada dos vilarejos ribeirinhos não justificava uma aparência desleixada, segundo ela. A brancura de suas cãs denunciava o decurso de decênios e os sulcos da face amarguras de dores e penares. Olhou em torno. Sorriu, satisfeita com o resultado do seu trabalho. Debruçou-se no peitoril da janela, apreciando a paisagem. A tarde ia alta. As sombras das árvores esticavam-se na placidez do igarapé que se estendia a perder de vista. Revivia felicidades passadas. Interrompeu as reminiscências ao reparar nas ondulações suaves espalhando-se na superfície ...

O Encantado Barbudo

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  O folclore amazônico é único, seguramente um dos mais belos e ricos dentre as diversas regiões brasileiras. Aqui, como em nenhum outro lugar, se amalgamaram os saberes e as crendices de três grandes grupos étnicos: o do indígena (natural habitante do lugar), o do branco colonizador e o do negro africano escravizado. Talvez isso explique a miríade de entidades que povoam não só a floresta, mas sobretudo o imaginário dos que ali vivem - extraindo da terra, e principalmente da água - o sustento para si e suas famílias. Embora grande parte das estórias transmitidas da boca de uma geração para o ouvido da próxima seja fruto do medo e da superstição, há manifestações reais de forças sobre as quais se conhece muito pouco, cujas evidências, entretanto, não podem ser ignoradas. Tomemos como exemplo o caso do Caboclo Chicotada, homem de corpo e alma calejados pela vida na floresta e versado nas artes do sobrenatural. Na cidade seria desdenhado por s...

O estranho caso da velha que explodiu

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O Amazonas é lugar de vastas florestas e grandes mistérios. Já estivemos por lá algumas vezes e sempre voltamos com histórias para contar.  A de hoje já foi publicada noutro blog que administro, mas é tão estapafúrdia que merece ser contada novamente. Prometo aumentar um ponto e continuar aumentando sempre que repetir o conto. Deixemos os rodeios de lado para irmos direto ao causo, recolhido numa mesa de bar entre um copo de cerveja e meia dúzia de outros. Dizia o sujeito do outro lado da mesa que há muito tempo viveu lá pros lados de Varre Vento o Caboclo Chicotada. De origem incerta - alguns dizem que ele era filho de boto e outros de cobra - o certo é que era um mateiro valente, hábil no uso do tessada (facão), versado nas artes da mandinga e capaz de enfrentar qualquer misura (assombração) sem pestanejar. Certa feita estava o Caboclo Chicotada em Manaus, negociando uma partida de pirarucu salgado que trouxera para vender na capital, quando soube que uma velha senhora, sua conte...