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Insônia

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D. Carmelina testemunhava o nascer de um novo dia, anunciado acintosamente pela claridade espraiando-se através das frestas da persiana. Assustada, a escuridão escondia-se pelos cantos enquanto ela rolava para o lado. Não buscava o sono perdido, pois este fugira há tempos. Levantou-se, vestiu o robe, seguiu para o banheiro e de lá para a cozinha. Num ato reflexo procurou a mesa posta para o café. Encontrou o tampo de fórmica coberto pelo trilho de crochê com um singelo bibelô servindo de enfeite. Aonde estava com a cabeça? Há um par de anos vivia sozinha. Essa condição inédita lhe impusera a mais desditosa das visitantes: a morte. Não a sua, obviamente, mas a de seu marido. Fora ele, por décadas, quem madrugara para cumprir duras jornadas de trabalho. Saía cedo, deixando tudo pronto para ela e os rebentos. A prática converteu-se em hábito, mantido inclusive depois da aposentadoria. Estendeu a toalha - última sobrevivente do enxoval. No armário pegou a xícara de us...

O Dia em que D. Cissa comprou um celular

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Seu nome é Cecília, mas todos a conhecem por D. Cissa, uma senhorinha faceira que finalmente vai realizar um sonho há muito acalentado: comprar um celular. Quem a vê a caminho da loja com seu vestidinho florido, unhas feitas e um sorriso nos lábios nem desconfia o que essa mulher passou na vida. Filha única de um prestigiado comerciante carioca, conhecido pelo rigor com que controlava a família e pela liberalidade demonstrada com as moças de vida fácil, desde cedo descobriu o significado da palavra submissão. Não que tivesse plena consciência de sua situação, visto que o contato com o mundo exterior era ostensivamente vigiado pela mãe e pelas criadas que serviam na casa. Ao atingir a mocidade os cuidados paternos foram redobrados e ela sentia-se cada vez mais sufocada pela clausura na qual era obrigada a viver. Talvez influenciada pelas fotonovelas que surrupiava no consultório do ortodontista ou pelas conversas frívolas com as colegas de classe, Cecília passou a acreditar que o casam...

Quem casa quer casa

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Na derradeira noite de 1959 Aristides anunciava ao mundo seu propósito de ano novo ao pedir Ritinha em casamento. Estavam noivos há alguns anos e já circulavam boatos que ele estava apenas enrolando a moça. Não era esse o caso, pois o moço era distinto e suas intenções sinceras. Tanto é verdade que durante o ano traçara mil planos, guardara cada centavo, só para ver nos olhos de sua futura esposa a surpresa quando tornasse público seu desejo - talvez não para todo o mundo, mas para ela, seus pais e os seus irmãos, que riam a socapa do papel a que se prestara o pobre Aristides. Na emoção do momento misturava juras de amor com frases extraídas dos jornais da época. Que o País vivia um surto de crescimento como nunca havia se visto e, enfatizava ele, era esse o momento ideal para dar início a uma família e ajudar a criar uma grande Nação.  Emocionada e um pouco confusa, Ritinha aceitou o pedido de casamento, apesar de mal formulado - na opinião da seleta plateia. Mas impôs uma condi...