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Merica

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As luzes do amanhecer banhavam Angelo em pé no convés do vapor Vittoria. Estava ali porque carecia do alento oferecido pela brisa fresca da manhã. O ambiente opressivo do alojamento coletivo tornara-se insuportável após tantas noites acumulando o cheiro de centenas de suores dormidos. Essas pausas amenizavam as náuseas que o acometiam. A repulsa era tamanha que nem o infindável balanço infligido pelas ondas o perturbava. Desistira de procurar equilíbrio por ser desnecessário. A massa humana compactada impedia a queda por falta de espaço. Viajava ombro a ombro com a multidão de emigrantes italianos que fugiam da miséria. A ociosidade forçada dava-lhe tempo para refletir a respeito  das consequências advindas da troca do Vêneto pelo desconhecido. Recriminava-se por ter lançado à sorte esposa e quatro filhos, todos sufocando no porão apinhado de gente. Não fora isso que planejara. Não fora isso que prometeram.  Há exatos vinte dias embalaram seus parcos pertences e...

O Homem de Branco

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Quem transita pelo centro do Rio de Janeiro já deve tê-lo visto. Um homem magro, mais alto que a maioria de nós, sempre calado. Passaria despercebido não fosse por um detalhe. Veste uma longa túnica branca, encimada por uma espécie de turbante. Malgrado sua aparência extravagante, não chama a atenção dos transeuntes, talvez por estarem tão acostumados a sua presença que é como se estivesse incorporado à paisagem. A primeira vez que o vi estava sentado numa pedra, debaixo de uma árvore, próximo a confluência da Av. Marechal Câmara com a Churchil. O sol escaldante dava o tom do típico verão carioca e, aparentemente, ele buscara a sombra para descansar. Eu morava no Rio há alguns meses e gostava de andar a pé para admirar os contornos de uma cidade muito maior do que aquela na qual sou nascido e criado. Perambulava atento a tudo e, talvez por isso, aquela figura desconcertante tenha despertado em mim um vívido interesse. Na ocasião eu estava com pressa. Seguia para o Santos Dumont e prete...

Amor de mãe : o jardim dos condenados

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Segunda parte do conto Amor de Mãe - para ler a primeira parte, clique aqui . A permanência de Camila no plano material gerou em mim um profundo sentimento de frustração por não ter conseguido ajudá-la a fazer a passagem. Sabia que a decisão era única e exclusivamente dela, que seus motivos eram plenamente compreensíveis, mas nem isso afastava de mim o desejo de vê-la, finalmente, seguir seu caminho em paz. Mantive uma rotina de visitas regulares ao casarão. A tranquilidade que reinava no ambiente proporcionava uma fuga da vida agitada e das constantes solicitações de ajuda. Antes de ir embora, D. Helena preparava um café com bolinhos, servido na mesa da cozinha. Por vezes Camila surgia e ficava observando os mortais conversando sobre trivialidades cotidianas. Ela achava graça de novidades que não chegara a conhecer, como telefonia celular, internet e sinal de wi-fi. No comecinho do inverno recebi uma mensagem de uma amiga que estava na região serrana do Rio de Janeiro. Ela exercia um...

Amor de mãe : possessão

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Durante os meses que se seguiram à conclusão do caso da chácara assombrada ( clique aqui para ver Como Nasce um Fantasma ) o assédio de solicitantes aumentou consideravelmente, ao ponto de ter que realizar uma triagem para separar os pedidos de ajuda reais daqueles que visavam pura e simplesmente saciar uma curiosidade mórbida sobre minhas habilidades paranormais. Na época em que me vi envolvido com os acontecimentos relatados a seguir, eu havia trocado o número do meu telefone na  esperança de ter um pouco de sossego. O que não impediu uma senhora de me abordar assim que passei pelo portão do edifício. Pelo visto, ela ficara de tocaia, aguardando aquela oportunidade. Antes que pudesse dizer qualquer coisa ela segurou meu braço com firmeza e disse num tom suplicante: —  O senhor precisa me ajudar ... Ela tinha os olhos pequenos e vívidos, tais como os de uma tia muito querida que não está mais entre nós. Estavam marejados e seu rosto e...

Como nasce um fantasma

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Apesar dos meus insistentes pedidos para que fosse mantido sigilo sobre o caso da Festa de Aniversário (clique aqui para ler)  , a história se espalhou. Primeiro entre os moradores do edifício, depois para os conhecidos destes e, por fim, mais além. Como era de se esperar, essa repercussão indesejada trouxe consequências graves, com as quais eu não me sentia confortável em lidar. Prova disso é que algumas semanas após o episódio se tornar público, recebi uma vídeochamada de um desconhecido. Ele se apresentou como sendo um morador da região serrana e explicou que o motivo da ligação era uma situação inusitada pela qual estava passando e necessitava da ajuda de alguém com experiência em assuntos relacionados ao outro mundo - palavras dele. Inicialmente me esquivei do convite, mas ele foi insistente e parecia tão sincero em suas alegações que acabei por ceder. Combinamos que no domingo seguinte ele viria me buscar para juntos fazermos uma visita ao local onde o problema estava se mani...