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Mostrando postagens de março, 2021

Metrô

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Era segunda-feira, primeiro dia de uma semana que prometia ser agitada. Lia estava atrasada. Havia saído cedo de casa em vão. Um acidente congestionara o trânsito e ela quase não conseguira chegar a estação do metrô que a levaria primeiro para o trabalho, depois para a faculdade e, finalmente, para casa. Ela mesma não presenciara o acontecido, mas ouvia das pessoas coisas do tipo: —  Que horror, como pode uma desgraça dessas? —  Ele estava fugindo da polícia e levou um tiro. —  Parece que o carro subiu na calçada e atropelou alguém. —  Uma tragédia! Estava tão preocupada com o horário que nem percebeu quando passara pela roleta. Enquanto descia a escada em direção a plataforma ouviu um burburinho vindo de fora e virou o rosto para verificar a causa daquela agitação. Foi nesse momento que percebeu o jovem que estava ao seu lado. A princípio isso não deveria ser estranho, pois no horário de pique é comum várias pessoas descerem a escada ao mesmo tempo. O quê primeiro ...

Visagem noturna

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Esse causo é verídico e sucedido. Posso afirmar com certeza por que eu estava lá e testemunhei em primeira mão tudo que aqui se diz. Antes de contar a estória é preciso dizer que tudo aconteceu no final da década de 80, do século passado. Nessa época eu morava numa área intermediária entre o urbano e o rural em Viamão, um município da grande Porto Alegre - que em área é maior que a capital, mas escassamente povoado, principalmente no interior. Também é importante que os leitores e amigos saibam que a Revolução Farroupilha foi uma guerra que durou dez anos (1835 a 1845) e que durante esse período tropas leais ao Império montaram acampamentos na região. Por aqui foram travados intensos combates entre os Farrapos e os Imperiais. Muito sangue foi derramado nos campos viamonenses com perdas significativas em ambos os lados. Marcos e cruzes de pedra permanecem de pé, como testemunhas silenciosas desses confrontos, honrando a memória dos que caíram no campo de batalha. Dito isto, vamos ao c...

A Porta Verde - parte IV

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Quarta e última parte do causo. Aconselhamos a ler desde o começo (clique aqui!) Uma difícil decisão No dia seguinte, já de volta à Porto Alegre, esperei ansiosamente a chegada de Anastácio na cafeteria para lhe contar que meu eu mais jovem morrera assim que eu cruzara o portal.  Precisava com urgência compartilhar o enigma que me atormentava desde a revelação feita por meu pai. Mas com quem? Além de Anastácio havia mais ninguém. Se eu ousasse contar minha história para outros no mínimo seria tachado de louco e internado no Hospício São Pedro [1] . Assim que ele chegou pedi que sentasse e fiz meu relato da melhor forma possível. Anastácio ouviu entre incrédulo e abismado, mas procurou manter a calma. Depois de algum tempo em silêncio, levantou-se e começou a caminhar em círculos. Por fim também me levantei com a intenção de coar um café - talvez a cafeína ajudasse a clarear os pensamentos.  A presença de alguém que podia entender como me sentia trouxe a serenidade e a corage...

A Porta Verde - parte III

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Terceira parte do causo. Aconselhamos a ler desde o começo (clique aqui!) Mercado Público de Porto Alegre Uma descoberta muda tudo O que não tem remédio, remediado está. Por absoluta falta de alternativas aceitei a ajuda de Anastácio e, por fim, ficamos amigos. Eu trabalhava para ele na cafeteria e ele me ajudava a construir uma vida nova. É claro que sentia falta de tudo que havia deixado para trás - no futuro. Quer dizer, quase tudo. Alguns aspectos da minha vida anterior não faziam tanta falta assim. Principalmente o trabalho no escritório, burocrático e repetitivo. Bem diferente das minhas novas atribuições na cafeteria. Cada dia era diferente do outro. Descobri que atender os fregueses era muito divertido, pois cada um tinha uma história para contar, mesmo sem pronunciar uma palavra. Eu era bom em ler as pessoas e nunca teria sabido disso se não tivesse recuado vinte anos no tempo. Ao fechar a loja, Anastácio e eu íamos jantar num dos muitos restaurantes do Mercado Público. De p...

A Porta Verde - parte II

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Segunda parte do causo. Aconselhamos a ler desde o começo (clique aqui!) Viajando e fazendo amigos Não há como descrever a sensação de quem subitamente percebe que foi jogado vinte anos para trás no tempo. Esmagado pelo peso da constatação, arrastei meu corpo até a parede mais próxima e me deixei ficar ali, tentando processar os últimos acontecimentos. Aos poucos fui me acalmando e comecei a pensar com mais clareza. Não precisei gastar muitos neurônios para perceber que provavelmente a passagem ocorrera ao entrar na cafeteria. — Maldita porta verde - falei mais alto do que gostaria e alguns passantes me olharam com cara de poucos amigos. Voltei sobre meus passos e parei no topo da escadaria. Na minha mente brotavam com incrível rapidez toda sorte de dúvidas sobre os últimos acontecimentos: se eu cruzasse a porta no sentido contrário seria devolvido a minha linha temporal? Mas para poder fazer isso eu teria que entrar novamente. Nesse caso voltaria outros vinte anos? E porque nada a...

A Porta Verde - parte I

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Uma viagem sem volta Você conhece a Galeria Chaves, em Porto Alegre? Quem ainda não visitou não sabe o quê está perdendo e quem passa por lá é bom prestar bastante atenção à minha história, para que não seja vítima da mesma presepada que o destino achou por bem me preparar. Pois bem, essa galeria é uma joia da arquitetura neoclássica e está localizada no coração da cidade. Ela faz a ligação da Rua da Praia com a Praça XV de Novembro, dois pontos vitais na geografia afetiva da capital gaúcha, sendo ela mesma um ponto de atração turística muito frequentado. Durante os anos 70 eu trabalhava num escritório na Av. Otávio Rocha - próximo dali - e tinha por hábito tomar um expresso depois do almoço. Cada dia num lugar diferente. Tinha até um caderninho onde anotava o nome do estabelecimento, se havia sido bem atendido, qualidade do café, essas coisas. Era uma fuga da rotina burocrática do trabalho e uma forma de fazer exercício, pois era comum ter de caminhar um bom pedaço até encontrar uma c...