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Mostrando postagens de abril, 2021

O Encantado Barbudo

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  O folclore amazônico é único, seguramente um dos mais belos e ricos dentre as diversas regiões brasileiras. Aqui, como em nenhum outro lugar, se amalgamaram os saberes e as crendices de três grandes grupos étnicos: o do indígena (natural habitante do lugar), o do branco colonizador e o do negro africano escravizado. Talvez isso explique a miríade de entidades que povoam não só a floresta, mas sobretudo o imaginário dos que ali vivem - extraindo da terra, e principalmente da água - o sustento para si e suas famílias. Embora grande parte das estórias transmitidas da boca de uma geração para o ouvido da próxima seja fruto do medo e da superstição, há manifestações reais de forças sobre as quais se conhece muito pouco, cujas evidências, entretanto, não podem ser ignoradas. Tomemos como exemplo o caso do Caboclo Chicotada, homem de corpo e alma calejados pela vida na floresta e versado nas artes do sobrenatural. Na cidade seria desdenhado por s...

Um brilho na escuridão

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"Almas perdidas são como mariposas atraídas pela luz que emanam as pessoas iluminadas" * * * Tobias era um homem simples, a quem a vida não reservara muitas surpresas. A perda inesperada de um irmão durante um almoço de família era seu maior mistério. A causa da morte nunca fora determinada e o fato permaneceu na memória de todos que estavam a mesa naquele momento pelo resto de suas vidas [1] . Havia nascido e morado no extremo sul do país, com ocasionais viagens a trabalho ou lazer. Dessa feita viajara para Salvador, sede de um simpósio do qual participaria como palestrante, com todas as despesas pagas pela empresa. Como chegara no sábado e o compromisso era apenas na segunda-feira decidira fazer um tour pelo centro histórico no domingo. Essa seria uma boa maneira de aproveitar o tempo. Seguindo recomendações de amigos que já haviam visitado a cidade, contratou o serviço de uma guia local - de confiança - segundo atestaram todos a quem consultou. Uma baiana filha da t...

Quem casa quer casa

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Na derradeira noite de 1959 Aristides anunciava ao mundo seu propósito de ano novo ao pedir Ritinha em casamento. Estavam noivos há alguns anos e já circulavam boatos que ele estava apenas enrolando a moça. Não era esse o caso, pois o moço era distinto e suas intenções sinceras. Tanto é verdade que durante o ano traçara mil planos, guardara cada centavo, só para ver nos olhos de sua futura esposa a surpresa quando tornasse público seu desejo - talvez não para todo o mundo, mas para ela, seus pais e os seus irmãos, que riam a socapa do papel a que se prestara o pobre Aristides. Na emoção do momento misturava juras de amor com frases extraídas dos jornais da época. Que o País vivia um surto de crescimento como nunca havia se visto e, enfatizava ele, era esse o momento ideal para dar início a uma família e ajudar a criar uma grande Nação.  Emocionada e um pouco confusa, Ritinha aceitou o pedido de casamento, apesar de mal formulado - na opinião da seleta plateia. Mas impôs uma condi...

Dia de colheita

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Zeca era um menino sadio e feliz, na faixa dos seus onze anos de idade. Vivia com a família numa casa simples e sem maiores preocupações. Como era comum na década de 1960, passava boa parte do dia na rua jogando bola, andando de bicicleta, brincando de polícia e ladrão, essas coisas que as crianças de hoje em dia já não fazem mais. Talvez por ser assim tinha a alma pura e tranquila. Pelo menos até o dia em que, num final de tarde, atravessou o corredor, abriu a porta e entrou no dormitório que dividia com mais dois irmãos. Antes que pudesse acender a luz viu nitidamente, envolto pela semiobscuridade, a figura de um homem - pelo menos foi o que lhe pareceu - vestido com uma longa túnica e um capuz a cobrir seu rosto. A aparição parecia flutuar no ar e isso lhe deu a impressão de estar olhando para um enforcado. Apavorado Zeca correu em direção a sala para contar a seus pais que havia alguém pendurado sobre sua cama. Infelizmente ninguém pode lhe da...