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O Dia em que D. Cissa comprou um celular

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Seu nome é Cecília, mas todos a conhecem por D. Cissa, uma senhorinha faceira que finalmente vai realizar um sonho há muito acalentado: comprar um celular. Quem a vê a caminho da loja com seu vestidinho florido, unhas feitas e um sorriso nos lábios nem desconfia o que essa mulher passou na vida. Filha única de um prestigiado comerciante carioca, conhecido pelo rigor com que controlava a família e pela liberalidade demonstrada com as moças de vida fácil, desde cedo descobriu o significado da palavra submissão. Não que tivesse plena consciência de sua situação, visto que o contato com o mundo exterior era ostensivamente vigiado pela mãe e pelas criadas que serviam na casa. Ao atingir a mocidade os cuidados paternos foram redobrados e ela sentia-se cada vez mais sufocada pela clausura na qual era obrigada a viver. Talvez influenciada pelas fotonovelas que surrupiava no consultório do ortodontista ou pelas conversas frívolas com as colegas de classe, Cecília passou a acreditar que o casam...

Andarilhos

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Após lerem o causo da Visagem Noturna (clique aqui para ver) alguns leitores assíduos do blog enviaram  relatos de suas experiências com esse tipo de entidade a quem chamamos Andarilhos por sua característica de estarem sempre de passagem. Aliás, chamou a atenção a semelhança de alguns desses encontros, de modo que sintetizamos todos em três causos. Como sempre, os nomes foram alterados para preservar a privacidade dos envolvidos.  Se você quiser ver sua história aqui no Memento Mori é só mandar para nós! Na estrada Na época em que ainda eram noivos, Anderson e Fernanda decidiram aproveitar o  fim de semana para visitar uma tia dela que morava em Ipiabas, um distrito de Barra do Piraí, no interior do Rio de Janeiro, que até hoje é um destino turístico cujo principal atrativo é a tranquilidade. No sábado a noite, como não havia muitas opções de lazer por ali, os dois resolveram ir até a sede do munícipio para dar uma volta e...

Os dois lados da mesma caixa

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O causo a seguir é quase uma anedota, mas acreditem, é verídico - apenas os nomes foram trocados para manter a privacidade dos envolvidos. Quem conta ainda vive e tenham em mente que a realidade pode ser muito mais surpreendente que a ficção! Uma pequena introdução No ano de  1970, D. Martha era uma dona de casa dedicada ao marido e seus três filhos (a caçula só viria mais tarde, na esteira das comemorações da conquista da Taça Jules Rimet pelo Brasil). Era casada com um, como se diz lá no Sul, gringo. Gringos são os imigrantes europeus e seus descendentes diretos nascidos na colônia (assentamentos numa região rural, destinados aos recém imigrados e por eles colonizados). Normalmente são muito apegados a família e as tradições dos países de onde vieram. Abelino, esse era o nome do marido de D. Martha, tinha origens italianas - das quais se orgulhava muito. Seus pais, de acordo com o costume, eram carinhosamente chamados de Nonno e Nonna (avô e avó em italiano, respectivamente) por ...

Post Mortem

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Talvez as gerações mais novas não saibam - ou apenas achem estranho, mas houve um tempo em que as pessoas não tinham celular. Jogos como damas e xadrez tinham que ser jogados em tabuleiros e as peças movidas pelos jogadores. Já paciência e "freecell" necessitavam de baralhos e uma mesa. Era tudo analógico. Como também não havia aplicativos de mensagens, era costume as pessoas falarem entre si por telefone fixo. Daí a importância de ter, e manter sempre atualizado, um caderninho - também conhecido como agenda - com o nome e o número de seus contatos mais importantes.  Por tudo isso era normal, naquela época, que as alunas de um tradicional colégio feminino do Rio de Janeiro se reunissem durante o recreio para conversar e comparar seus cadernos com os das amigas. Quanto maior o número de registros, mais popular era a dona do mesmo. Andréia e Fabíola não fugiam a esse padrão. Amigas de longa data, zanzavam pela escola fazendo o maior sucesso e causando, obviamente, sentimentos d...

O Encantado Barbudo

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  O folclore amazônico é único, seguramente um dos mais belos e ricos dentre as diversas regiões brasileiras. Aqui, como em nenhum outro lugar, se amalgamaram os saberes e as crendices de três grandes grupos étnicos: o do indígena (natural habitante do lugar), o do branco colonizador e o do negro africano escravizado. Talvez isso explique a miríade de entidades que povoam não só a floresta, mas sobretudo o imaginário dos que ali vivem - extraindo da terra, e principalmente da água - o sustento para si e suas famílias. Embora grande parte das estórias transmitidas da boca de uma geração para o ouvido da próxima seja fruto do medo e da superstição, há manifestações reais de forças sobre as quais se conhece muito pouco, cujas evidências, entretanto, não podem ser ignoradas. Tomemos como exemplo o caso do Caboclo Chicotada, homem de corpo e alma calejados pela vida na floresta e versado nas artes do sobrenatural. Na cidade seria desdenhado por s...

Um brilho na escuridão

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"Almas perdidas são como mariposas atraídas pela luz que emanam as pessoas iluminadas" * * * Tobias era um homem simples, a quem a vida não reservara muitas surpresas. A perda inesperada de um irmão durante um almoço de família era seu maior mistério. A causa da morte nunca fora determinada e o fato permaneceu na memória de todos que estavam a mesa naquele momento pelo resto de suas vidas [1] . Havia nascido e morado no extremo sul do país, com ocasionais viagens a trabalho ou lazer. Dessa feita viajara para Salvador, sede de um simpósio do qual participaria como palestrante, com todas as despesas pagas pela empresa. Como chegara no sábado e o compromisso era apenas na segunda-feira decidira fazer um tour pelo centro histórico no domingo. Essa seria uma boa maneira de aproveitar o tempo. Seguindo recomendações de amigos que já haviam visitado a cidade, contratou o serviço de uma guia local - de confiança - segundo atestaram todos a quem consultou. Uma baiana filha da t...

Quem casa quer casa

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Na derradeira noite de 1959 Aristides anunciava ao mundo seu propósito de ano novo ao pedir Ritinha em casamento. Estavam noivos há alguns anos e já circulavam boatos que ele estava apenas enrolando a moça. Não era esse o caso, pois o moço era distinto e suas intenções sinceras. Tanto é verdade que durante o ano traçara mil planos, guardara cada centavo, só para ver nos olhos de sua futura esposa a surpresa quando tornasse público seu desejo - talvez não para todo o mundo, mas para ela, seus pais e os seus irmãos, que riam a socapa do papel a que se prestara o pobre Aristides. Na emoção do momento misturava juras de amor com frases extraídas dos jornais da época. Que o País vivia um surto de crescimento como nunca havia se visto e, enfatizava ele, era esse o momento ideal para dar início a uma família e ajudar a criar uma grande Nação.  Emocionada e um pouco confusa, Ritinha aceitou o pedido de casamento, apesar de mal formulado - na opinião da seleta plateia. Mas impôs uma condi...